30.4.12

Carta Aberta aos Governantes da Região Autónoma dos Açores



Ex.mas/os Senhoras/es,

Vivemos tempos difíceis, tempos ao mesmo tempo interessantes. Interessantes porque têm ditado a vontade de mudança. Tempos que podem marcar um ponto de viragem na história da participação cívica do nosso país e região.
Chegamos ao ponto em que a maioria já não tem nada a perder, à custa dos poucos que tudo ganharam. Foram os políticos do centrão, é certo, mas também foram os banqueiros e os grandes empresários que dos políticos do centrão, durante décadas, marionetas consentidas fizeram.
Os resultados estão à vista, em larga ou pequena escala todos e todas sabemos quem são os beneficiados, onde estão as cunhas, os foram dados os “jeitos” e como funciona o amiguismo.
O povo paga! Ou melhor, o povo pagava, agora que o povo nada tem, no povo se corta!

Passados anos de políticas e apostas erradas, sabemos já identificar erros. Sabemos por exemplo que a seca é fruto de alterações climáticas e que as alterações climáticas são o resultado de uma sobre-exploração dos recursos naturais. Sabemos que os recursos naturais não são inesgotáveis e que são indispensáveis à qualidade de vida das pessoas. Mas que se faz em relação a isso? Continua-se a sobre-explorar. E porquê? Porque o decisores políticos têm medo de tomar medidas progressistas e de coragem, que possam desagradar lobbies, como por exemplo proibir a pesca de espécies ameaçadas como o atum e o bacalhau.

E nisto dos lobbies, há um que para nada serve e que faz da classe politica açoriana a campeã da submissão: o lobby da tauromaquia, claro está.
Ele é governo regional a dar dinheiro, ele é Câmara Municipal de Angra do Heroísmo a dar dinheiro, ele é Câmara Municipal da Praia da Vitória a dar dinheiro, ele é Câmara Municipal da Lagoa, que quer piscar o olho aos amigos socialistas da Terceira também dando algum.

Sabemos todos, mas lá está: fingimos não saber, que a tauromaquia é uma prática violenta. Sabemos, comprovado cientificamente, que os animais sofrem tanto como nós, animais humanos, ao possuírem sistema nervoso central.
O Governo Regional sabe. Qualquer membro do Governo sabe que a tauromaquia é uma prática que deseduca, que incita ao desrespeito pelo próximo e inflige sofrimento e tortura a animais, gratuitamente, sem justificação ética, moral, científica ou até económica.
Mas ainda assim, o Governo Regional, submisso e medricas, não teve a coragem para negar um apoio no valor de 75,000€ (setenta e cinco mil euros) para a realização de um evento que nada mais fez do que manchar o nome dos Açores e usar indevidamente o dinheiro público.

Pergunto-me, quantas bolsas de estudo se tiram de 75,000€? Quantos apoios a projectos culturais se tiram de 75,000€? Quantas taxas moderadoras se retiram de 75,000€? Quanto se melhora a rede de transportes com 75,000€? Quanto se compensa a discriminação no acesso a comunicações no Grupo Ocidental com 75,000€? Quanto se combate o isolamento de populações com 75,000€? Quanto se investe em ONGs cujo trabalho colmata falhas estatais com 75,000€? Quantos empregos se criam e salários se pagam com 75,000€?
Mas não, setenta e cinco mil euros não servem para nada disto. Em 2012, o ano de todos os apertos, o Governo Regional dá de bom grado 75,000€ do dinheiro dos contribuintes que deveria ser investido nas pessoas e no seu bem estar, a um evento cuja finalidade é só e apenas discutir uma prática com base na violência e sofrimento. É no mínimo sádico.

Ainda que se apregoe e publicite a suposta harmonia com a natureza nos Açores, o lobby da tauromaquia – pessoas que vivem à custa da tortura – parece exercer uma espécie de força do além sobre os políticos açorianos fazendo com que, não só aceitem que uma prática pouco nobre, condenada e contestada em todo o mundo se realize nos Açores, como até a apoiem financeiramente. Soube-se recentemente que no mesmo evento, que contou com a dinheirama saída dos bolsos do povo, realizou-se uma “Sorte de Varas”, prática ilegal, apesar da organização alegar que não é ilegal por se ter realizado à porta fechada. Ainda mais esta, são apoios públicos para eventos ditos privados, apesar da divulgação pública.
A propósito disto, um pedido de esclarecimento assinado por 100 pessoas foi enviado à ALRAA, com o conhecimento do Governo. Estamos todos ainda à espera que Assembleia Regional e Governo Regional se prenunciem. Ou optarão, mais uma vez, por lavar as mãos e ignorar os cidadãos? Parece que sim. Ignorar centenas de cidadãos também é parte do talento nato desta classe.

O curioso, é que isto parece ser deveras uma coisa de gentes dos Açores. Ora, recordemos a ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, também ex-Directora Regional da Cultura, cujo único trabalho conhecido na passagem pela pasta nacional foi desinvestir na cultura para desviar verbas para a tauromaquia, sendo (des)promovida a Ministra da Tortura.

Para terem a coragem de acabar com o financiamento público a uma prática decadente, precisarão os Governantes do mesmo tempo de que precisaram para impor medidas anti-tabagistas quando já se sabia há décadas que o tabaco era prejudicial à saúde das pessoas?
Durante quanto tempo se esconderão por detrás do medo e das pressões até agirem em prol de mudança cívica educativa exemplar, que dignifique a inteligência da humanidade e fomente o respeito por outras espécies?
Até à chegada desse dia, senhores e senhoras governantes regionais e autarcas, presenciar a vossa frouxice, falta de coragem, falta de sentido de Estado e posição de submissão, não só marca indelevelmente o vosso desempenho, como é de meter dó.


Tiago Silva (Faial)
Cassilda Pascoal (São Miguel)
Nelson Fraga (Flores)


Açores, 27 de Abril de 2012

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