27.5.16

Há uma ligação íntima entre touradas à corda e festas do Espírito Santo?


Há uma ligação íntima entre touradas à corda e festas do Espírito Santo?

Os defensores das touradas à corda, nomeadamente aqueles que querem que aquela brutalidade seja considerada património imaterial da humanidade, pretendem fazer crer que não há festas do Espírito Santo sem touradas à corda.

Se formos às origens das festas do Espírito Santo em Portugal Continental ou mesmo nas várias ilhas dos Açores facilmente se concluirá que tal não corresponde à verdade. Com efeito, consulte-se os micaelenses Armando Corte Rodrigues ou Aníbal Bicudo e não verão qualquer referência a touradas nas festas do Espírito Santo. De igual modo, sendo a introdução das touradas em São Jorge e na Graciosa datadas do século passado, a partir da Terceira, prova-se que só passou a haver associação entre as duas coisas a partir de então.

Na ilha de São Miguel, sendo a reintrodução das mesmas mais recente, também se confirma que só por oportunismo da indústria tauromáquica e falta de fé, de compaixão, de educação e de escrúpulos, por parte dos mordomos de algumas irmandades é que se associam impérios do Espírito Santo a touradas à corda que até, em abono da verdade, não o são.

Se formos à ilha Terceira, onde as duas coisas parecem estar intimamente associadas, a verdade é que tal se deve ao oportunismo da indústria tauromáquica que se aproveita da ingenuidade, da deseducação e do vício das pessoas para sacar dinheiro. A confirmar o mencionado, o insuspeito historiador terceirense Frederico Lopes, no seu livro Notas Etnográficas, afirmou que as touradas à corda são o “remate certo de todas as festas, quer religiosas quer profanas”.

Como afirmou Frederico Lopes a indústria tauromáquica também associou touradas às festas do Espírito Santo, mas como se verá a seguir nem sempre às de corda. Com efeito, uma consulta ao jornal “O Angrense”, que se publicou na ilha Terceira entre 1836 e 1910, verifica-se que se realizavam touradas de praça para apoiar impérios e claro os ganadeiros e outros.

A título de exemplo, abaixo transcrevemos as seguintes notícias:

“Realiza-se amanhã, 30, uma corrida de touros, na praça de São João em benefício do Espírito Santo de S. João de Deus” (O Angrense, 3 de agosto de 1874).

“Deve realizar-se, no próximo domingo, a corrida de touros, na praça de S. João, em benefício do Império dos Quatro Cantos”(O Angrense, 31 de outubro de 1875)

Embora desconheçamos mais pormenores, parece-nos que no passado há algo de diferente com o que se passa hoje. Assim, se no passado as touradas, embora condenáveis, eram de beneficência, isto é, em princípio destinavam-se a financiar os impérios, hoje, com a inclusão das touradas nos programas dos impérios o objetivo é precisamente sacar dinheiro dos irmãos ou da irmandade, que se devia destinar à solidariedade com os mais desfavorecidos, para o entregar a uma indústria anacrónica e imoral.

Face ao exposto, por que mantém um silêncio cúmplice a hierarquia da Igreja Católica?

Açores, 26 de maio de 2016

José Ormonde

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